Em seis meses quase 10 mil pessoas deixaram de receber Rendimento Social de Inserção

8 Fevereiro 2022

O Rendimento Social de Inserção chegou ao fim do ano passado com pouco mais de 205 mil beneficiários, num universo que tem vindo lentamente a aproximar-se dos valores do período pré-pandemia.

Depois de ter atingido um pico de 216 mil beneficiários em Maio do ano passado, o Rendimento Social de Inserção (RSI) parece estar a regressar paulatinamente aos valores pré-pandemia. Em Dezembro de 2021, tinham caído já para 205 mil os beneficiários desta prestação social, numa clara trajectória descendente que está, ainda assim, acima dos cerca de 200 mil beneficiários registados em Março de 2020, quando foi declarada a pandemia.

“Ainda estamos cerca de cinco mil beneficiários acima dos valores pré-pandemia e o ritmo de descida do universo de beneficiários, que foi muito rápido em meados do ano passado, diminuiu ligeiramente entre Novembro e Dezembro, mas é possível que retomemos o ritmo da queda que vínhamos observando”, antecipa o sociólogo Fernando Diogo.

O professor na Universidade dos Açores e investigador do CICS-Nova associa esta queda recente do número de beneficiários do RSI à mudança na conjuntura económica, mais concretamente à diminuição do desemprego. “Aquelas pessoas que ingressaram no RSI por via do desemprego causado pela pandemia parecem estar a conseguir sair”, admite, numa leitura à mais recente síntese estatística do Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social (MTSSS).

Ressalvando que “os desempregados há mais tempo continuam a ter dificuldades em regressar ao mercado de trabalho”, o investigador enfatiza que a pandemia teve um efeito imediato nos sectores de actividade “mais dependentes dos contactos sociais”, como o turismo e a restauração. “São sectores muito vulneráveis à vulnerabilidade no emprego, tal como o são os trabalhadores por conta própria informal como os condutores de tuk-tuk ou a pessoa que vai ao fim de semana trabalhar umas horas no restaurante”, contextualiza, dizendo-se convicto de que muitos destes trabalhadores, à medida que a pandemia ditou o encerramento de muitos estabelecimentos do pequeno comércio e afins, saltaram directamente do emprego para o RSI.

Olhando para as oscilações no universo de beneficiários do RSI ao longo dos dois anos de pandemia, verifica-se que o valor mais alto foi atingido em Maio de 2021, com um total de mais de 216 mil beneficiários. E é preciso recuar a Março de 2019 para encontrar um universo semelhante. Refira-se, por outro lado, que o universo de beneficiários desta prestação não contributiva vinha diminuindo consecutivamente desde meados de 2018. Em Fevereiro de 2020, um mês antes de ter sido declarada a pandemia, tinham baixado para 199.884. Porém, assim que se sucederam os confinamentos, esse valor disparou até ter atingido o referido máximo de 216 mil beneficiários.

Os dados relativos a Dezembro de 2021 indicam uma redução em termos homólogos de 2% (menos 4261 beneficiários). Se esta diminuição se irá manter ao longo de 2022, é ainda algo incerto. “É possível que a estagnação verificada entre Novembro e Dezembro desapareça e que a queda retome o seu ritmo”, admite Fernando Diogo.

De resto, o mesmo se poderá dizer também relativamente aos indicadores de pobreza. O primeiro ano pandémico fez mais 228 mil novos pobres em Portugal, fazendo aumentar para 1,9 milhões os portugueses obrigados a viver com menos de 554 euros mensais, mas, ao longo de 2021, a paralisação da economia já foi menor e os especialistas admitiram tratar-se de um aumento pontual, mais do que uma inversão de trajectória na tendência de diminuição da pobreza em Portugal. Se assim for, é natural que os beneficiários do RSI continuem a diminuir até atingirem os valores pré-pandémicos.

O valor médio da prestação de RSI por família estava, no final do ano passado, nos 260,96 euros (119,58 euros em média por beneficiário). “Esta prestação média corresponde a 21,6% do limiar da pobreza, ou seja, um qualquer ingresso destas pessoas no mundo do trabalho retira-as logo do RSI, embora não as retire da pobreza”, sublinha o sociólogo.

Refira-se a este propósito que os especialistas convidados pelo Governo a delinear uma estratégia de combate à pobreza em Portugal, propuseram há meses uma aproximação dos valores do RSI aos do salário mínimo, por forma a aumentar a eficácia da medida na erradicação da pobreza. Quando apresentou a nova estratégia de combate à pobreza, porém, o Governo nada disse quanto a esta possível alteração.

Quanto ao perfil dos beneficiários, não se verificaram grandes alterações: os menores de 18 anos constituem 32,4% do total e as pessoas com 50 ou mais anos 29,2%, sendo que mais de metade (52,1%) é do sexo feminino.
CSI perde mais de cinco mil beneficiários num ano

Em sentido inverso aos do RSI, os beneficiários do Complemento Solidário para Idosos (CSI) têm vindo sempre a diminuir com a pandemia. Havia 156.023 idosos a receberem aquele apoio pecuniário em Dezembro, menos 3,3% do que no mesmo mês do ano anterior, isto é, num ano verificou-se uma diminuição de 5291 beneficiários. Se recuarmos ao início da pandemia, a diminuição é ainda mais expressiva, com quase menos 10 mil beneficiários. Poderá tratar-se de uma consequência directa da mortalidade provocada pela covid-19, que afectou sobretudo os mais velhos. “É uma boa hipótese”, admite Fernando Diogo.

O acesso ao CSI, que se destina a qualquer pessoa com 66 ou mais anos de idade e com um rendimento anual inferior a 5258,63 euros, exige uma prova de recursos e a entrega de uma multiplicidade de documentos. E o facto de muitos idosos terem estado longos períodos confinados, e com medo de sair de casa, pode também ser uma chave explicativa para a diminuição do número de beneficiários, sabendo-se, como se sabe, que são maiores nesta faixa etária as dificuldades em tratar das burocracias via online.

De resto, e tal como anteriormente, mais de 70% dos beneficiários do CSI são mulheres, segundo a síntese estatística do ministério. A maior longevidade feminina poderá ajudar a explicar, a par do facto de as mulheres serem mais fustigadas pela pobreza devido ao facto de auferirem salários tendencialmente mais baixos, o que se repercute mais tarde nas prestações sociais contributivas. Aliás, dos mais de dois milhões de portugueses que estavam em situação de pobreza ou exclusão social no final de 2020, quase 1,3 milhões são mulheres, o equivalente a 23,5% do total da população feminina residente no país.

Natália Faria, in Público on-line