Urge “um rendimento adequado, acesso a serviços de qualidade e inserção num mercado de trabalho digno”
Foi mais um encontro de partilha de aprendizagem e sobretudo de promoção de uma maior consciência social e política para os desafios que a inclusão das comunidades ciganas ainda representa. E são estas mesmas comunidades um dos grupos sociais que maiores situações de pobreza e de exclusão social enfrentam em Portugal e na Europa, constituindo um dos mais antigos campos de trabalho da EAPN Portugal que tem contribuído para um melhor conhecimento destas comunidades e para a definição de respostas e medidas eficazes com vista a uma maior inclusão.
O esforço crescente por parte de várias entidades nacionais e europeias e nacionais, no sentido de conhecer e responder aos problemas que afetam as comunidades ciganas é visível mas, no entanto, o esforço não tem sido ainda suficiente para garantir a sua plena integração social e o exercício de cidadania. As comunidades ciganas continuam a enfrentar dificuldades de integração social que necessitam de uma intervenção eficaz, assente num processo global e multidimensional, incidindo em áreas prioritárias para a inclusão social.
No atinente ao mercado de trabalhos as dificuldades parecem multiplicar-se apresentando diversos desafios e de diversa natureza, como por exemplo, baixos níveis de escolaridade, ausência de níveis de escolarização adaptados às ofertas de emprego existentes; existência de comportamentos discriminatórios por parte das entidades empregadoras, começando no próprio processo de seleção, entre outros.
“Face a estas situações consideramos que é necessário apostar na melhoria da empregabilidade desta população como estratégia de inserção da população cigana, assim como na eliminação de barreiras que se apresentam no acesso à formação e a um emprego remunerado, de forma que seja efetivo o princípio da igualdade de oportunidades”, disse o presidente da EAPN Portugal, padre Jardim Moreira, reforçando “a importância das medidas de inclusão ativa, ou seja, medidas que procuram garantir uma intervenção articulada em três dimensões essenciais ao combate à pobreza: rendimento adequado; acesso a serviços de qualidade; e inserção num mercado de trabalho digno”.
É na conjugação de esforços e sinergias, da partilha de experiências, saberes e recursos, materiais ou imateriais, “ que encontramos soluções criativas e inovadoras para os desafios diários” afirmou o presidente, apelando à corresponsabilização do Estado, organizações sociais, associações ciganas e cidadãos.
Desafios e estratégias de intervenção
No painel dedicado a abordar as “As Comunidades Ciganas e o Mercado de trabalho: desafios e estratégias de intervenção”, Maria José Vicente, socióloga da EAPN Portugal, fez um retrato da atual realidade, baseado no conhecimento de terreno e no contacto privilegiado que a EAPN tem destas comunidades, dado o trabalho frequente e estreito através dos seus técnicos, inclusivamente, nos distritos portugueses.
“Constata-se que este é um público com carências formativas formais e informais, dificuldades na aquisição de competências de base, socio relacionais e profissionais. Por diferentes variáveis (perfil dos destinatários, dificuldades de articulação entre os diferentes parceiros, dificuldade de efetuar um acompanhamento de proximidade junto desta população por parte dos profissionais, dificuldade de desenvolver programas de inserção adaptados às características d cada individuo) verifica-se recorrentemente uma grande dificuldade de integrar estes públicos e de conseguir reverter a sua situação de desfavorecimento social”, explicou Maria José Vicente que tem acompanhado também, o projeto ACEDER que prevê uma componente formativa, indo de encontro aos objetivos específicos definidos na Estratégia Nacional parta a Integração das Comunidades Ciganas 2013-2022.
De referir, que no que diz respeito ao eixo do emprego e formação, este tem como objetivo promover a inserção socioprofissional das comunidades ciganas promovendo a criação de condições de empregabilidade e do desenvolvimento de competências técnicas e sociais adaptadas aos desafios do mercado de trabalho atual. No entanto, há dificuldades nesta prossecução, pois “trata-se, na sua grande maioria, de indivíduos excluídos do mercado de trabalho que associam, frequentemente, baixas qualificações escolares e profissionais, deficits nas competências sociais e relacionais e ao nível das lógicas comportamentais que dificultam a obtenção de emprego e, principalmente, a sua manutenção. Dedicam-se sobretudo ao exercício de atividades comerciais, venda ambulante em feiras e mercados ou encontram-se em situação de desemprego. Experimentam, ainda, graves formas de discriminação resultantes das diferenças culturais existentes e consequentemente dificuldades de inserção escolar, profissional e social”, explicou a socióloga, acrescentando que “é notória a elevada taxa de abandono escolar por parte dos jovens de etnia cigana antes de concluírem o 9º ano, principalmente do sexo feminino”, reiterando que “este público acumula alguns handicaps sociais, educacionais, profissionais dificultando a inserção no mercado de trabalho, quer do ponto de vista de remuneração, quer do ponto de vista pessoal”.
Promover o combate a qualquer tipo de discriminação da população cigana no acesso à formação e ao emprego
Por isso, é necessário ultrapassar muitas barreiras que foram traduzidas em diversos desafios, nomeadamente, o acesso à formação profissional; permanência na formação profissional e o acesso ao mercado de trabalho.
No que reporta ao acesso à formação profissional, foi referido que a oferta de ações formativas não está adaptada ao nível de escolaridade que as pessoas possuem e que os requisitos de participação nas ações formativas colocam a ênfase no nível académico, desvalorizando as competências reais e o grau de motivação para a frequência da formação em questão. A inadaptação da oferta formativa, relativamente aos horários, duração e situação socioeconómica e familiar desta população, também foi referida como obstaculizante.
A pouca, ou mesmo nenhuma informação e a ausência de formação, dos formadores, relativamente às comunidades ciganas, assim como a necessária abordagem intercultural e a falta de metodologias participativas adaptadas a uma aprendizagem ativa e o deficit de recursos de formação-emprego que articule de forma intensiva a formação teórico-prática e a integração profissional, também foram apontadas como lacunas a superar.
No que diz respeito ao acesso ao mercado de trabalho, a existência de comportamentos discriminatórios por parte das entidades empregadoras, começando no próprio processo de seleção; ausência de meios de difusão da informação adequados e dirigidos a este grupo populacional e a falta de níveis de escolarização adaptados às ofertas de emprego existentes foram apontadas como impeditivas. Assim, “esta população apresenta uma dupla desvantagem relativamente à restante população portuguesa, visto que se verificam dificuldades de acesso ao mercado de trabalho, assim como menores índices de competitividade e adaptação ao próprio mercado de trabalho. Face a estas situações consideramos que é necessário apostar na melhoria da empregabilidade desta população bem como na eliminação de barreiras no acesso à formação e a um emprego remunerado, de forma que seja efetivo o princípio da igualdade de oportunidades”, referiu Maria José Vicente.
Por fim, a socióloga, elencou medidas a serem tomadas, como por exemplo, uma intervenção direta com a população cigana com o objetivo de realizar ações efetivas de melhoria das suas condições de empregabilidade e, ainda, a definição de políticas sociais mais ativas para melhorar as condições de vida e de trabalho desta população, pois não existe uma transferência e conhecimento de experiências positivas que estão a ser desenvolvidas. “É imperativo criar fortes relações entre as medidas (nomeadamente ao nível da formação) que se têm vindo a promover e a real inserção no mercado de trabalho, estabelecendo relações diretas, responsáveis e contratualizadas e não apenas prováveis ou a estudar sob a forma de estágios, sublinhou a socióloga.
Sensibilizar a sociedade em geral e os agentes intervenientes no mercado de trabalho, promovendo o combate a qualquer tipo de discriminação da população cigana no acesso à formação e ao emprego, trabalhando com as administrações públicas, com o sector empresarial e potenciais empregadores, divulgando os casos de sucesso de empregabilidade das comunidades ciganas foi, também, uma das sugestões deixadas no encontro.
Por fim mas não menos importante, a aposta na mediação intercultural como estratégia fundamental para o sucesso das intervenções mencionadas e a promoção de uma cultura da multidisciplinariedade e diversidade como mais-valia para uma operacionalização que apesar de já estar em curso, está lenta.
Fonte: Focus Social